A historia da bicicleta no Brasil |
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Pesquisa e texto de Arturo Alcorta
1960 - O fenômeno da Monark Barra Circular
É difícil encontrar referências para entender o que levou a criação do desenho do quadro da Monark Barra Circular. Antes dela havia no mercado uma série de quadros com reforços no triângulo principal do quadro, geralmente barras que ligavam o tubo de selim com a frente da bicicleta. Podia ser um segundo tubo superior, com os dois em paralelo, ou um "J" que nascia no tubo inferior pouco atrás da caixa de direção e terminava no tubo de selim. Havia até a referência das Schwinn com seus dois tubos de reforço em semi-círculo saindo da parte baixa da caixa de direção, passando pelo meio do tubo superior e terminando nas forquilhas traseiras. Mas tudo indica que nunca se havia feito um quadro com um reforço circular dentro do triângulo central.
O mais interessante é que a primeira Barra Circular a ser colocada no mercado tinha rodas 28, bem maiores que as 26 ½ que se tornariam padrão. O fato talvez explique o porque do tubo superior sair da caixa de direção para baixo para só depois ficar paralelo ao chão. É uma forma de diminuir a altura do quadro e acomodar uma população com altura média baixa, como a do norte e nordeste onde o modelo virou um fenômeno de vendas.
O interessante é que a qualidade das bicicletas produzidas no Brasil até então era boa. Havia uma cultura sobre as bicicletas bem estabelecida, pelo menos aqui no sul e sudeste do país. Quase não faz sentido sair das leves e eficientes bicicletas com quadro tradicional para cair num quadro cheio de tubos, detalhes e mais pesado. A alegação normal de seus usuários é que a Barra Circular é mais robusta, resistente que as outras.
A Caloi tenta conseguir morder um espaço deste novo mercado e a princípio lança a Barra Dupla, um modelo claramente inspirado na Schwinn. Alguns anos depois lança a linha Barra Forte que foi mudando o desenho do quadro, mas nunca chegou perto do impressionante número de venda da Barra Circular. No início dos anos 80 a Caloi lança uma linha nova, com um desenho de quadro em que as forquilhas tem uma continuidade que ultrapassa o tubo de selim e continua até quase a caixa de direção, formando assim um selim, ou banco, sobre o tubo superior. O desenho da bicicleta é muito suave e fluido, mas o desenho não faz sucesso esperado e seu custo de produção é alto, e já no ano seguinte ela começa a ser modificada. Irá surgir a última geração de Barra Forte com "banco" sobre o tubo superior. Logo será apresentada ao mercado a Caloi Barra C, quase uma cópia da Barra Circular.
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1970 - 1990: o Brasil dividido |
Se o país começou os anos 60 com mais de 50 marcas de bicicletas, termina com 2 gigantes e uns poucos pequenos. As décadas de 70 e 80 passam com Caloi e Monark dominando 95% do setor. O balanço comercial publicado das duas empresas não raro era muito parecido durante o mesmo período; assim como as suas ações comerciais. O Brasil foi dividido em áreas e onde uma marca dominava a outra mal aparecia. Os pequenos, o 5% do mercado, eram "autorizados" a trabalhar. O ciclismo esportivo, tão importante até o início dos anos 60, quando chegava a dar primeira página de jornal, passou a ser controlado com mão de ferro e acabou perdendo popularidade, quase chegando ao ostracismo. As disputas foram ferozes e acabaram saindo do campo esportivo. O resultado foi que a equipe Monark de ciclismo acabou extinta e a marca só voltaria a ter uma equipe oficial na época do BMX.
Governos Militares
Entre os pequenos é interessante a história da Ricco, um pequeno fabricante que tinha sua base nas bicicletas cargueiro e um mercado muito forte no Centro da cidade de São Paulo. Ao contrário de outros fabricantes que tentaram entrar no mercado sua existência foi permitida.
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Bicicleta para rico: Caloi 10 e Ceci |
Em 1971 a Caloi começa a produzir, a princípio para exportação, dois modelos que vieram a fazer a primeira mudança no conceito de bicicleta no Brasil: Caloi 10 e Ceci. Mesmo sua Caloi Berlineta, uma dobrável de rodas aro 20 produzida no início da década de 60, teve uma repercussão tão grande no mercado. A partir destas duas bicicletas o mercado nacional passou a ser dividido em dois: São Paulo e um pouco do mercado do sul / sudeste com a Caloi, e nordeste com a Monark e sua Barra Circular. A principal diferença da Caloi 10 era a sua qualidade. As primeiras tinham quadro italiano e peças japonesas Suntour, Araia, KKT, de excelente qualidade. O modelo era uma bicicleta esportiva, replica das de competição de estrada, com 10 marchas que podiam ser acionadas em duas alavancas fixas sobre a caixa de direção. A rodagem era 27 e os pneus podiam ser cheios até 70 libras, um absurdo para então. A Caloi 10 foi um sucesso imediato, objeto de desejo para todo ciclista ou pretendente. Acabou completamente nacionalizada, perdeu sua alta qualidade e aos poucos o mercado, mas nunca sua força. A Monark tentou combatê-la com a Positron 10, a primeira bicicleta com câmbio traseiro indexado da história do Brasil. O primeiro lote delas era em quadro e garfo alemão. Em pouco tempo surgiu a Caloi Ceci com seu belo desenho e sua cestinha presa no guidão. O seu projeto acabou recebendo um dos principais prêmios de desenho da Europa e a bicicleta chegou a ser vendida em pequena escala na Inglaterra. As primeiras saíram com rodas aro 27, mas rapidamente foram substituídas por rodas 26 5/8 mais baixas e apropriadas para a mulher brasileira. Aos poucos foi sofrendo modificações, como a mudança do guidão baixo para um alto. A força da identidade dos dois modelos é sentida mesmo depois de mais de 30 anos de seus lançamentos. |
Peugeot - erro infantil |
Em 1973 a Peugeot inicia a produção de bicicletas no Brasil. Contavam funcionários da Caloi que a idéia de ter o mercado dividido por mais uma marca não passou de um susto. O dia que descobriram que a diretoria da Peugeot seria formada por franceses houve uma grande comemoração na diretoria da Caloi. Desconhecimento do funcionamento das regras comerciais de um país atípico como o Brasil e centralizar as vendas praticamente num único grupo varejista custou aos franceses um desastre e a conseqüente venda da fábrica e marca para um grupo brasileiro, que não demorou muito para sair do mercado. Nestes anos de oligopólio as bicicletarias recebiam ordens e só vendiam o que era mandado ou permitido. Bicicletas importadas eram proibidas. Conseguir uma bicicleta de estrada era difícil. "Os militares dizem que se derreter o quadro (de cromo-molibdênio) dá para fazer cano de arma" brincava o pessoal que era ligado ao ciclismo.
"Bicicleta é coisa de pobre!"
Simplesmente não houve política voltada para o setor, mesmo o Brasil sendo um dos maiores produtores do mercado mundial e a produção de bicicleta um forte gerador de empregos de baixa especialização. Caloi chegou a fazer tentativas de entrar no mercado americano e em outros mercados, mas não foi bem sucedida. O único interesse aparente da Monark era despejar no mercado a campeã de vendas Barra Circular, sem dúvidas um fenômeno que permaneceu mais de duas décadas imbatível.
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Nasce o mountain bike no Rio de Janeiro |
O mountain bike brasileiro nasce com os cariocas. São eles que trazem um punhado de bicicletas importadas, formam um grupo de amigos que saem para pedalar em velhas fazendas, trilhas e estradinhas. Para quem não podia adquirir uma importada a saída era fazer adaptações nas bicicletas nacionais, principalmente da Monark Ranger, o seu segundo modelo. Mas se podia ver de tudo, de velhas Phillips até uma curiosa Caloi Ceci reformada. Conseguem um certo espaço em revistas como a Manchete e na TV, mas o circuito permanece restrito a um grupo pequeno de praticantes.
Em 1985 surgem duas bicicletas que seriam uma revolução no mercado brasileiro: Monark Ranger e Caloi Cruiser. Ambas eram do tipo "beach cruiser" e viriam a iniciar o fim da era das "Barra". O primeiro modelo da Ranger tinha algumas características visuais das primeiras mountain bikes americanas, como pneus balão, freios cantilever que eram ruins, além de guidão preso a um avanço duplo em forma de "V". A primeira Caloi Cruiser tinha o mesmo conjunto de guidão, mas seu quadro e os freios ferradura pareciam mais uma BMX de adulto. Os dois fabricantes erram de maneira grosseira na percepção da realidade e na estratégia, com seus modelos que não eram nem uma bicicleta de praia, nem de montanha.
O segundo modelo Ranger foi totalmente reformulado, com alterações nos freios, avanço e guidão. O mercado da época ainda era claramente divido e os cariocas, que praticamente só tinham a Ranger, passaram a usar seu quadro e garfo como base para criar uma bicicleta que fosse pedalável na terra. O mesmo iria acontecer uns dois anos depois com as Cruiser em São Paulo.
E são os cariocas que realizam o primeiro campeonato no Brasil, realizado em três etapas em Paraíba do Sul e organizado por Marcos Ripper. O número de participantes ainda era pequeno, mas o entusiasmo e a diversão eram fantásticos.
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Mountain Bike nos anos 80 |
Renata Falzoni conduziria a partir daí um trabalho na mídia que faria o mountain bike estourar não só em São Paulo, mas no Brasil. Ainda em 1988 ela organiza outro evento, o Night Biker's, o primeiro passeio noturno organizado da história do Brasil, e talvez o primeiro do gênero no mundo. Este passeio guiado pelo Centro de São Paulo, acompanhado por uns 30 ciclistas, seria o marco da redescoberta dos prazeres de pedalar uma bicicleta nas grandes capitais. Não demorou muito e a cidade do Rio de Janeiro passaria a organizar imensos passeios pela orla, com milhares de participantes.
Durante o ano de 1988 houve algumas provas no Estado de São Paulo, em Campos do Jordão, Campinas e Atibaia.
Mas é em 1989 que o mountain bike dá um grande salto e passa a ser conhecido por todo o país. Renata Falzoni participa da organização do primeiro campeonato, a Copa Halls-Schick, que já na sua segunda prova contava com mais de 200 participantes. Na etapa final mais de 400 largaram. Em pouco tempo a Federação Brasileira de Ciclismo lança o Campeonato Brasileiro, com etapas nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro.
A JNA (Junior, Nelson, Adrian), pequena fábrica de fundo de quintal, já era respeita por suas BMXs, começa a fabricar quadros, garfos, avanços e mais algumas outras peças de mountain bike, numa escala muito reduzida já em 1988. Quem quisesse uma tinha que entrar numa longa e demorada fila de espera. Cada uma delas era construída artesanalmente e seus três fabricantes, Junior, Nelson e Adrian, pedalavam muito bem e tinham carinho pela profissão. Conseguir bons tubos era muito difícil e quase todas eram construídas com tubos de aço rápido. Não se pode deixar de destacar as qualidades de Nelson, excelente em descida de montanha, criativo e inteligente, de suas mãos saíram bicicletas de construção muito simples, mas muito agradáveis de conduzir, o primeiro garfo de suspensão brasileiro de série, e até a primeira mountain bike full-suspension do Brasil. A JNA acabou vendida, aumentou sua produção e fechou uns anos depois.
Nunca imaginei que vocês (mountain bike) iriam tirar o controle do mercado de nossas mãos!
Aos poucos vão aparecendo novas marcas nacionais que tentam entrar no mercado que até então era quase que exclusivo de Caloi e Monark. A Tekway foi a primeira com porte maior a se aventurar, tinha uma fábrica bem organizada, preocupação com qualidade, mas o projeto das suas bicicletas era estranho, quando não errado, e depois de certo tempo saíram do mercado. A Urbano tinha produtos muito baratos, inúmeros desenhos de quadros, muitos deles estranhos ou mal resolvidos, mas mesmo vendendo bem não foram capazes de controlar o grave problema de qualidade de seus produtos e a marca acabou falindo. E assim foi com uma série de nomes que se seguiram. O jogo do mercado era pesado e algumas marcas foram compradas pelos grandes para serem desativadas. Outras não souberam lidar com a pressão e saíram do mercado por espontânea vontade. No caso particular da Urbano, em meio à negociação para sua venda sofreu um pequeno incêndio, localizado no escritório e mal explicado.
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Chegam as importadas |
O que faz com que o mercado e a história da bicicleta no Brasil mudasse para valer foi a entrada oficial das bicicletas importadas de alta qualidade, como Trek, Specialized, GT, Cannondale, Raleigh e outras. Mesmo que a importação tenha tido números insipientes, o impacto da qualidade delas foi muito grande. Foram abertas as primeiras bicicletarias voltadas para um público rico, bem montadas, limpas, organizadas, com um atendimento diferenciado e a impecável oficina à vista. Para fazer frente às mudanças a Caloi lança em 1990 a primeira bicicleta com quadro de alumínio, a mountain bike "Aluminun". No início da década de 90 a Caloi passou a ser o maior fabricante de quadros de alumínio no mercado internacional usando uma tecnologia simples onde o alumínio não recebia tratamento térmico. No mesmo ano a empresa sai com outra inovação, dois modelos híbridos, um em alumínio outro mais simples em aço, mas os dois produtos são lançados com pneus de péssima qualidade e câmara errada para a rodagem, o que faria que o conceito híbrida se transformasse em símbolo de bicicleta ruim por muitos anos. Monark segue os mesmos passos, mas numa escala muito menor e com um produto muito mais simples. Surge a Alfameq, um pequeno fabricante de quadros e garfos em alumínio tratado com qualidade acima da média que mudaria o conceito de bicicleta montada e a forma de trabalhar de muitas bicicletarias.
Metade dos anos 90: mercado crescendo muito rápido
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Virada de século e a qualidade geral |
O Brasil termina o século XX fabricando algo em torno de 4 milhões de bicicletas e com mais de uma centena de pequenas marcas fabricantes de bicicleta. As 3 grandes e mais algumas médias espalhadas pelo país passaram a responder pela fabricação metade destas bicicletas. A outra metade acabará distribuída entre centenas de fabricantes de quadros e garfos de aço rápido que são facilmente vendidas pelas bicicletarias e até mesmo em algumas grandes redes de supermercado e magazines. A maioria delas é de péssima qualidade e não demoram muito a apresentar defeitos. A situação do mercado fica tão fora de controle que não chega a ser difícil encontrar marcas cujo fabricante não tem sequer CNPJ, a inscrição na Receita Federal.
O preço destas bicicletas aliado à alienação da população brasileira em relação aos seus direitos e o conhecimento do que deve ser uma bicicleta de qualidade elevaram as vendas destas marcas novas e não oficializadas. O número de acidentes causados por falhas mecânicas, quebras ou até colapso de peças e componentes de baixa qualidade dessas bicicletas, em determinado momento, chega a ser tão alto que leva os grandes fabricantes de bicicletas, peças e acessórios a iniciar o processo da criação de normas de qualidade para as bicicletas brasileiras.
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