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Velo City 2007 - Munique
É lógico que o trem do aeroporto para Munique deixou a estação no preciso minuto previsto. É coisa do outro mundo para quem deixou para trás o caos da aviação brasileira. Bem-vindos à Europa, bem-vindos à Alemanha. Meio dia dentro de um avião e todos brasileiros que estavam lá para participar do Velo City 2007 estavam arrebentados. Mas bastou ver o grande número de bicicletas estacionadas em todas estações de trem e ganhamos novas forças e alegria. Praticamente todos os trens têm o símbolo da bicicleta estampado em branco indicando a permissão de seu transporte. O mesmo acontece no metrô. É como se silenciosamente a alma da bicicleta nos comunicasse: Bem-vindos ao centro do universo da bicicleta - a Europa! Era um domingo e chegamos numa Munique em festa, avenida principal fechada, gente na rua, música ao vivo, salsichas, cerveja, brincadeiras, crianças livres correndo. E o contraste entre a forma de ser brasileira e alemã mostra-se abismal. A calmamente animada festa deles acontece no mesmo dia que em São Paulo três milhões entopem avenidas para participar da ensurdecedora Parada Gay. O bom conjunto alemão que toca em Munique não é audível depois de uns 300 metros. Em São Paulo ouço o absurdo som dos trios elétricos a bem mais de 4 km da Avenida Paulista. É assim com qualquer evento, mesmo que seja com o carro das pamonhas; nosso negócio é barulho. No dia seguinte saímos para conhecer melhor a cidade e aí vem o choque de fato: Munique é muito rica, e quando digo muito rica digo muito rica, assustadoramente rica. O contraste com o que é o Brasil hoje chega a ser deprimente. No que é rica? É limpa, organizada, e as coisas funcionam de fato para todos. É clara a busca pela eqüidade. Pode-se andar na calçada, atravessar uma rua, coisas mínimas que aqui no Brasil são raras. E neste contraste vemos os ciclistas que passam pelas ruas e avenidas, muitos ciclistas, de todas idades, de todos tipos, bem vestidos. A bicicleta aqui em Munique, local rico, é um modo de transporte. No Brasil é coisa de pobre. Tem alguma coisa errada, não tem? Há um número grande de carros de luxo: Porches, Auston Martins, Jaguares e algumas Ferraris, além de outras sutilezas. Na área mais chique sucedem-se lojas, cafés, hotéis, restaurantes, relativamente discretos. Nada grita "sou rico", mas é. E aí vem a diferença: de um ônibus que estaciona logo ali, descem pessoas extremamente bem vestidas que optaram por não utilizar um carrão. Ônibus é simplesmente um meio alternativo de transporte, assim como o silencioso bonde que vai mais à frente. Todos são iguais, não há segregação. Não há seguranças! Minhas simples vestimentas entram em qualquer lugar sem que eu receba olhares de desconfiança. Não há "men in black". Tenho direito de ir e vir; todos têm este direito. As bicicletas fazem parte da cidade, do local. Estão estacionadas por toda parte. Há uma vitrine de roupa de grife famosa com duas bicicletas expostas, uma com motor elétrico. A mais simples, feminina, foi vendida por 900 Euros, informa educadamente o vendedor. Há no ar de toda Munique uma preocupação quase gritante com status, mas isto não descarta que todos ali são cidadãos e têm que se transportar de alguma forma. A bicicleta é um meio de transporte, é uma opção. Simples. É lógico, mas esta simplicidade, esta lógica no Brasil não vale. Bicicleta para nós é coisa de pobre. Triste! Como somos pobres! Final de tarde e chega o momento de pico do trânsito. A forma agressiva como muitos motoristas de Munique dirigem seus carros (ou serão máquinas?) não faz muito sentido no meio desta organização toda. A mesma agressividade também aparece nos ciclistas. Pensei: estão todos com muita pressa ou há uma agressividade geral no ar? Sim, há uma agressividade submersa que para nós que vivemos nesta brutal violência acaba chamando a atenção. É muito difícil ver alguém que ouse furar uma luz vermelha, um sinal, uma parada, desrespeitar uma regra. São todos disciplinados. Respeitam para valer o pedestre; ninguém joga seu veículo ou bicicleta para cima dele. Mas há algo no ar que quer romper a ordem. Pedalar nas ciclovias em hora de pico é estranho. O pessoal em suas roupas formais de trabalho e bicicletas tipicamente européias não tem piedade e passa por você pedalando como fossem motoboys paulistanos. O sinal verde abre para a ciclovia e todos saem como fosse a confusão da largada de grandes provas de moutain bike. Prefiro enfrentar os carros que pedalar no meio do trânsito da ciclovia e vou para rua. Imediatamente sou repreendido e tenho que voltar para a ciclovia para enfrentar o tráfego de bicicletas. Fora do horário de pico pedalar pela cidade é maravilhoso. Nosso espírito muda, relaxa, respira. Aliás, respirar é algo de que também se perdeu a noção em cidades brasileiras. Em Munique o ar é ar, você não sente a poluição, não volta para casa com a roupa cheirando fumaça, e os olhos ardendo; é muito estranho. Pedalar nas ciclovias dos parques é divino. Onde não há ciclovia só é necessário ter cuidado para não travar a roda nos trilhos do bonde. E, é óbvio, respeitar o pedestre. Pedalar na calçada só se for muito devagar, com muito cuidado. Mas no último dia saímos para pedalar até tarde da noite. Já com a cidade vazia não nos preocupamos muito em ficar na ciclovia. Aliás, não permanecemos nela porque havia obras. E eis que passa um senhor aos gritos indicando que deveríamos voltar a pedalar na ciclovia. Regras são regras, mas vale a pena respeitar as regras. Não há liberdade sem disciplina. Nota: pouco depois de terminar este texto ocorreu a queda do Airbus da TAM, em Congonhas. Soube da notícia longe de casa. Na volta, pedalando pelas ruas e avenidas praticamente vazias, senti o peso de um velório que todos paulistanos respeitavam em silêncio dentro de suas casas. Foi uma noite de uma quietude impressionante. Estamos todos cansados desta estupidez geral. Por que não fazer as coisas bem feitas? Não é tão simples e o resultado tão agradável? Porque ficar repetindo sempre os mesmos erros? |
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