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Simplicidade

Depois de um longo processo de convencimento saímos os três para fazer nossa aventura de bicicleta, 3 dias de pedal, munidos de bicicletas aro 27, pneu médio e 10 marchas, na época coisa para poucos. Duas dezenas de quilômetros rodados, já na moderna estrada de subidas longas e pouco acentuadas, meus dois parceiros começaram a sentir a realidade dos fatos e passaram a resmungar cansaço. Neste exato instante passa por nós um "bom dia" dito em voz tranqüila, sem o mínimo acento de quem está a ofegar. Era um "caipira" pedalando uma bicicleta sem marchas, uma Barra Forte. Mas um detalhe que fez os dois resmunguentos calarem suas dores até o fim da longa viagem: o "caipira" carregava uma filha na frente e a mulher segurando um bebê no bagageiro traseiro. Nos passou na subida pedalando firme e forte. Talvez tenha sido aí que eu próprio tenha aprendido o sentido da expressão "tomar uma chinelada" usada por ciclistas profissionais.

Bicicletas sem marchas: coisa do passado?
Atendo o telefone e Teresa pergunta se quero uma bicicleta feminina que vai ser doada ou jogada no lixo. Claro que quero! A bicicleta é um misto de modelo clássico, freios ferradura, com um toque mountain bike. Até que não estava em mal estado depois de ter sido largada em alguma garagem por bem mais de uma década. Ano de fabricação 1989, aro 26, freios ferradura em aço, pé de vela sueco (ou monobloco, uma peça só). Para olhar linda, branca, limpa, sem cabos ou apetrechos desnecessários. Simplesmente uma bicicleta. Simples, básica, limpa. Melhor dizendo e repetindo: linda!
Um pouco de investimento em pneus, câmaras, sapatas de freio e pedais novos, e é lógico a troca de toda as graxas, e pronta para rodar. Ah! aros de aço, rodas pesadas, relação 48/13, mas cubos vagabundos que giram maravilhosamente bem. A primeira sensação pedalando foi de estranheza, lentidão, de uma inércia que não acaba mais. O que vem a cabeça é esquecer subidas. Pura besteira! Uns bons km depois você toma consciência que a realidade sem marchas é outra e desconhecida para um sofisticado e besta ciclista da era "marchas e mais marchas". Reaprendeu a técnica de pedalar e as subidas aos poucos são vencidas. E como! Está bem, em parede você empurra, mas quem se importa?
Ops! A bichinha anda! E como! E sobe! E como! Mas não freia; estas ferraduras praticamente não param. E a bunda do carro da frente cresce rápido! Mais outro aprendizado: não brigar contra os acontecimentos e antecipar as reações. Aprendeu o jogo e é pura diversão. Bicicletas com marchas certamente não são tão divertidas.
Fui a um passeio com ela. Todos me olharam com cara de "o cara enlouqueceu de vez". "Você vai com isto?". "Não vai agüentar!". Aos poucos, durante o trajeto, os incrédulos começaram a sentir uma cerca coceira de pedalar a linda menina sem marchas. E aí cometi a primeira gafe do dia. Numa longa e relativamente suave subida passei como um foguete por um amigo destreinado e sua importada de US$ 2000,00. Mal ele sabe que o segredo de uma bicicleta sem marchas é manter o giro e subir feito uma cabra desembestada. Infelizmente sentiu-se agredido. Bobagem! E no final do passeio a segunda gafe - aí um pouco proposital - quando fritei outro amigo no plano. Espanei o giro e sumi. Basta reaprender a girar a perna suavemente - e ou enlouquecidamente, como queira.
A maravilha de uma bicicleta é sua simplicidade intrínseca. E nada melhor que uma boa bicicleta sem marchas para ensinar ao ciclista o que de fato é pedalar. Experimente. Seus amigos vão ficar curiosos, ou furiosos; como queiram.

 
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