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Por um triz

Num daqueles feriados em que não há ninguém na cidade, bem cedo, o grupo de ciclistas domingueiros, um grande pelotão de falantes, descontraídos amigos e amigas, pedala pela larga avenida vazia. Vez ou outra passa por eles um carro tranqüilo. E, no meio do passeio bucólico, de longe alguns guias notaram uma tampa de bueiro aberta. Automaticamente um deles grita: "Mantenham-se à direita que tem buraco no meio da avenida. Mantenham-se à direita, cuidado!". Nesse instante, passa pelo pelotão um motociclista simpático acenando e, por sua distração escapa por pouco, no embalo do berro, do bueiro aberto e de um homérico tombo.

Intimidados com o terrível susto do motociclista, três ciclistas param para solucionar a situação perigosa. Sem parar o pelotão, avisam: "Podem prosseguir que nós vamos arrumar isto aqui e já alcançamos vocês". E, como recomenda a prática de bom guia, eles dividem-se em tarefas: um cruza a bicicleta no meio da faixa central onde está o bueiro; outro vai buscar a tampa que está alguns metros à frente; e o terceiro fica praticamente encostado no meio fio conversando aparentemente descontraído, mas, de fato, atento aos acontecimentos. Os três ouvem carros que surgem da curva de trás, a uns 100 metros de distância.Trata-se de dois veículos trafegando em paralelo: um pequeno carro azul escuro que se mantém na faixa esquerda e desacelera um pouco e, um Scenic que, à sua direta também reduz a velocidade, e ambos continuam rodando em paralelo, pára-choque a pára-choque.

À medida que se aproximam, é possível notar a expressão inerte do motorista do Scenic, olhando para frente. Em vez de diminuir a velocidade para se posicionar atrás do outro carro, e passar pelos ciclistas sem sobressaltos, mantém sua velocidade e trajeto pela faixa central da avenida, na linha em que eles estão às voltas com o propósito de tampar o bueiro. O Scenic vem chegando, vem chegando, sem demonstrar intenção de alterar sua trajetória. Numa fração de segundos, aproxima-se rápido e bem próximo do primeiro ciclista que, de costas para o trânsito, olha e protege o companheiro que está colocando a tampa de bueiro. Ele não se dá conta do que poderá acontecer. Ainda agachado, com a tampa de bueiro na mão, o outro ciclista vê tudo acontecer rápido nas costas do amigo e sente um calafrio percorrer-lhe a espinha. O duplo atropelamento é eminente. "Vai nos pegar!" - pensa.

Muito próximo, e sem movimento brusco, o carro desvia. Vai para a direita e passa entre os dois ciclistas que estão na faixa central e o outro que está próximo ao meio fio. Este último tem um mínimo reflexo de susto, recolhendo as mãos e puxando instintivamente o rosto para trás. Os outros que estão no centro da avenida simplesmente não têm tempo. Ficam congelados curvando-se e aguardando, paralisados, o desfecho da situação. O Scenic passa por um triz! Os três ciclistas puderam sentir o calor do motor, o cheiro do carro recém lavado, o vento da morte seguindo avenida abaixo e dando "tchauzinho", com um sorriso irônico nos lábios. Ufa! Não foi desta vez!

O carro é alcançado por eles um pouco à frente e parado no semáforo. Inicia-se uma discussão pesada que acaba intermediada por quatro PMs que lá estavam. Com as mãos ainda sujas da tampa do bueiro, o ciclista reclama da inconseqüência absurda do motorista que, nem sequer havia diminuído a velocidade. Mas, como era de se esperar, é taxado de mentiroso pelo condutor do veículo que alega o contrário e afirma ter desviado a tempo. Dentro do Scenic, a namorada mantinha-se como o rosto virado para não entrar na discussão. É possível notar-lhe a fúria contra o próprio companheiro. O silêncio ali lhe era mais que conveniente.

 
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