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Espanada

A garagem era escura, o lugar escondido e um tanto úmido; as ferramentas impróprias; o conhecimento precário. Mas a curiosidade aliada a uma vontade incontida de perfeição mata. Não mata "literalmente" mas espana com certeza. E o que já era ruim por natureza ficava pior ainda a cada trabalho. Noções básicas de mecânica não valem praticamente nada numa situação destas. Só a experiência do dia a dia e a prática com muita gambiarra para fazer "aquilo" funcionar precariamente.

A bicicleta foi comprada na Sears (em São Paulo) que é cuidadosa com a qualidade do que vende, mas quem naqueles idos de 70 sabia o que deveria ser o mínimo de qualidade para uma bicicleta? Praticamente tudo o que havia no mercado mundial era muito ruim. No Brasil da ditadura o que importava era o crescimento econômico desenfreado e ponto. Lá fora, mesmo na Europa e Estados Unidos, era ruim, aqui era "bem pior".

O pretenso mecânico até que levava jeito para a coisa; tinha um bom passado e acabaria se tornando uma boa mão. Mas aquela bicicleta era tão ruim que quase desistiu imaginando que o problema fosse ele próprio. Parafusos, portas, arruelas, eixos, cones, bacias e arruelas dentadas e tudo mais era em aço de baixa qualidade, usinado de maneira imprópria, o que gerava "tolerâncias variáveis". Ops! quem sabe o que é mecânica vai adorar a esta fantástica expressão: "tolerâncias variáveis". Enfim, tudo era uma ____________(escolha sua palavra predileta). Os aros, por exemplo, tinham grandes deformidades na junção que fazia o freio funcionar aos trancos. Eram de aço, mal curvados, mal soldados e acabados. Alinhá-los era praticamente impossível até para um mecânico experiente.

A coisa era tão ruim que mesmo o proprietário da bicicletaria, ex-funcionário do fabricante, não escondia sua insatisfação em receber estas bicicletas para consertos. Bem que ele tentava convencer todos clientes a gastar um pouco mais e ir para algo melhor. Exatamente como acontece hoje. Mas, quem dobra cabeça dura de cliente?

Hoje o mercado brasileiro oferece inúmeras opções. Mas, por incrível que pareça, a quantidade de bicicletas de baixíssima qualidade vendidas hoje no mercado talvez seja maior que naqueles tempos sombrios. A história contada acima ainda se repete com uma freqüência incrível. É impossível fazer funcionar bem uma "coisa" barata. Muito mais fácil é quebrar. Hoje há muita gente que entende de segurança que acredita que estas "coisas" matam - literalmente. Fala-se em algo em torno de 15% das mortes de ciclistas são causadas por colapso mecânico da bicicleta. Absurdo!?! Mas fazer o que? Ninguém reclama. Zero! Nada! Ninguém! Zero reclamação! Perguntem ao Ministério Público ou qualquer órgão competente.

O que nos resta é criar nosso Huffy Troffy. Huffy Troffy? No começo do mountain bike a Yeti, marca de excelente qualidade, promovia o campeonato de arremesso a distância de uma Huffy em cada etapa do campeonato. O prêmio para o vencedor era uma Yeti novinha, prêmio muito cobiçado. O que é uma Huffy? Uma das três grandes marcas de bicicletas vendidas em supermercados. Mas aí nós brasileiros entramos numa sutileza que dá a dimensão de nossa tragédia: as Huffy de então rodaram pelo menos 10 anos sem dar problemas. As nossas mal agüentavam um mês sem perder ajuste, e mesmo assim eram muito melhores que algumas que estão ai no mercado. Outro pequeno detalhe: se algum fabricante de bicicleta básica vendida em solo americano causar um acidente por colapso mecânico o responsável vai "literalmente" preso por homicídio. Simples.

Quando a Escola de Bicicleta bate forte na questão de qualidade não o faz por menos. "Coisa" ruim desestimula, é chata, mas sobre tudo é de fato um perigo para o ciclista. Mexer nelas é um aprendizado totalmente dispensável.

 
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