Desvario Global
- Vai pegar fogo! Vai pegar fogo!
- Então traz a gasolina e viva São João!
Ontem encontrei estacionado um dos meus carros prediletos, um Buick Riviera 1973 dourado, peça de colecionador. Aliás, adoro os carrões americanos do início da década de 70. Puro delírio, insensatez, surrealismo histórico; l'age d'or da inconsciência social, enfim uma obra de arte. O Riviera 1973 é uma das melhores demonstrações da clara inventividade e desvario americano. Deve ter mais de 7 metros de comprimento, lugar para dois passageiros cômodos, outros dois nem tanto; uma carroceria imensa, mas fluida, detalhes geniais como a janela traseira. Ele não anda; navega pelas estradas! Bebe tanto que é necessário tomar cuidado ao acelerar para que o pé não seja sugado pelo carburador.
A crise do petróleo que começa neste mesmo ano de 1973 infelizmente extermina esta geração de desenho de carrocerias (verdadeiros "brontozautos") e acaba gerando outras obras primas do autismo: Ford Pinto, AMC Gremlin dentre outros. Os americanos chamavam bravamente estes de "compactos" e ou "econômicos". Gosto mais da expressão "encolhidos". Compará-los com seus concorrentes europeus e japoneses é mais que difícil, é quase covardia.
É a crise de 1973 que vai tirar a bicicleta de sua maior depressão trazendo-a de volta a pauta do dia principalmente na Europa, em especial na Holanda. Por mais um acidente histórico os Americanos, sempre na mesma toada de só enxergar o próprio umbigo, fazem uma pesquisa (Schwinn) que comprava que a bicicleta estava esquecida não só pela ostentação do automóvel, mas também porque sua qualidade tinha virado um lixo. Como pode o lixo concorrer com o luxo?
É muito provável que a racionalidade do Europeu não inventasse o BMX e depois o mountain bike. Eles tinham o ciclocross e ciclismo de estrada, para que inventar modalidades novas? Aliás, diga-se de passagem, lutaram ferozmente contra qualquer novidade. Aí entra a força do "American Way of Life" que sem querer cria não só modalidades novas, mas de quebra ressuscita a bicicleta. A brincadeira de criança virou o jogo, coisa de Guerra nas Estrelas. E o cartesianismo, disciplina e praticidade da história da bicicleta européia se curva ao "easy rider", "for fun!", "fucking good", e os etc do moutain bike.
E não é que os malucos fizeram de novo! Primeiro criam a Electra e logo depois a Amsterdam da própria Electra. É o revés, o antípoda do delírio do Buick Riviera 1973. O pessoal da Electra saiu atrás de quem mesmo gostando de bicicletas não pedala e descobriram que um dos principais fatores é que eles não conseguem apoiar o pé por completo no chão quando estão parados. Partindo daí criaram um desenho de quadro chamado de "full-foot" ou pé inteiro. E aí olharam para o Velho Continente e descobriram que a Holanda e Amsterdam tem umas bicicletas maravilhosas para transporte. E fizeram mais, misturaram o novo desenho de quadro com o movimento central avançado (full-foot) com as bicicletas holandesas e lançaram a Electra Amsterdan. E a mais importante revista especializada deles, a Bycicling, testa uma e descobre que bicicleta pode ser algo mais "em cima". Lembra a música maravilhosa música de Gerswin Rhapsody in blue e sua abertura jazzística.
Neste mundo de imbecilidades que nos levam a esta brutal crise ambiental a junção do que pode parecer delírio e da correção cartesiana acaba se transformando numa revolução. A bicicleta pós mountain bikes sofisticadas, parece estar reencontrando seu caminho na simplicidade do desenho que invadiu o mundo no início do século XX. O mountain bike de certa forma se transformou em um Buick Riviera 1973, que no caso seriam as SUVs que estão por aí. Mas o que a maioria quer mesmo é uma bicicleta tradicional, parecida com as européias; ou seja: um modo de transporte simples e funcional - ponto.