Descoberta da vida
Em Vila Madalena está exposto sobre o balcão de um bar um pequeno jeep de lata movido a pedais, igualzinho ao que brinquei quando criança. Fui arremessado ao passado e o filme de minhas descobertas da vida começou a rodar. Tem muito a ver com pedais: pedais do jeepinho, das bicicletas, motos, automóveis (punta-taco), e a volta aos pedais das bicicletas. Seria de uma pretensão e de uma limitação sem tamanho querer fechar as descobertas da vida em um único foco. Não resta dúvida que a vida é muito mais ampla que pedais e a conseqüente sensação de liberdade, velocidade, poder, controle e morte que trazem.
Há inúmeras formas de descobrir novos caminhos da vida, mas sem dúvidas os mais importantes vêm através de contato humano. Para mim os Falzoni e Britto e Silva são história de primeira fila. Tina, principalmente, e o pessoal que a rodeava me deu forças para sair do lado tenebroso e negativo da vida e ir em busca da paz de espírito. Foi dela que ganhei Sidarta, leitura que recomendo a qualquer um sempre. Jannete Dente, Jannete Dente, minha querida tutora!
Mas os fatos pequenos e nem por isto menos importantes fazem o roteiro. Rui Siqueira falava da beleza do outono; Iara Guasque observava sobras e luzes; ou José Spaniol que discorria sobre os meios tons escondidos nos tons plenos. Redescobrir o olhar, as sensações, o ver a vida passando como um rio. Deveria citar inúmeros outros nomes e fatos; a vida não está cheia deles, mas é preenchida por eles.
Descobrir a vida quando o piegas se torna realidade brutal e você ressuscita de uma overdose, logo depois de ter visto um amigo perder completamente a noção de que lado do espelho está o real. Brutal! Eu tive sorte, ele nunca voltou. No dia seguinte olhei para um simples jardim e vi vida. Piegas ao extremo, mas infelizmente real. É simplesmente a vida deixando seu recado: redescubra-me ou te devoro!
Mas somos uma sociedade de vida motorizada e mobilizada. Eis que um dia tinha que voltar de Cambuquira e peguei carona com um primo e seu Fusca 1300 novinho em folha (era o que existia na época). Ele era um exímio motorista, de profundo conhecimento das técnicas de controle de direção, trajetória, aceleração, troca de marchas, e frenagem, técnica de piloto profissional dos bons. Fazia com que o Fusca deslizasse como uma seda, mas sem tomar riscos. Eu era um apaixonado por carros - influência de avô, pai e tio. E foi nesta viagem, Cambuquira - São Paulo - que para mim praticamente tudo mudou. Viemos com calma, muita calma, sim - devagar eu diria, mas com a paisagem enchendo os olhos. Ainda hoje consigo lembrar de cada detalhe das minhas ótimas sensações. A magia da velocidade sem razão estava solapada; portanto a lógica da sociedade motorizada também.
Mais ou menos nesta época descobri o andar a pé. Era a vida me dizendo "bem vindo à escala biológica, bem vindo ao transporte sem auxílio de máquina". Olhar, sentir, cheirar, degustar, viver o que está em volta. Ficar cansado, suar, redimensionar o tempo imposto pela velocidade da sociedade motorizada. E finalmente a descoberta tardia do correr a pé. Correr a pé dá uma liberdade absolutamente incrível.
Seria de uma pretensão e de uma limitação sem tamanho querer fechar as descobertas da vida em um único foco. Sim já escrevi isto antes neste mesmo texto. Mas é como a vida que dá voltas e se reescreve sempre. É como a vida que quantas mais experiências e informações temos mais completa e feliz ela se transforma. Os pedais tiveram e tem uma importância crucial no meu roteiro de vida. Pedais tem importância na sua, caro leitor, e na de quem quer que seja, mesmo os que não pedalam, mas isto é outro tema.
Somos uma sociedade de mobilidades, de transportes; sem isto não teríamos alcançado tantos progressos. Mas, alguns têm a sorte de se redescobrir como ser biológico e tomar caminhos mais sadios que os impostos pelo automóvel e a rápida e simplista visão que ele nos impõe da cidade e da vida.